Tenho um ritual semanal um pouco estranho. Deixo meu filho numa aula de ginástica e corro até um sebo próximo, onde passo uma hora flanando entre o pó e o cheiro de mofo até que um (ou mais) livros caiam no meu colo. Dessa vez, foi “O segundo olhar”, antologia poética do Mario Quintana. Tenho um caso de amor com o poetinha por causa de uma frase de sua autoria que resume, com precisão, como me senti a vida inteira. Prestes a ser despejado de onde morava por falta de pagamento, Quintana soltou a pérola: “Não tem problema, eu moro em mim mesmo”. Tão eu.
Hoje cedo fiz meu café, cacei os óculos, a caneta-tinteiro, o caderno Mnemosyne preto e a coletânea de poemas. Logo no início, uma singela explicação do porquê da necessidade de um segundo olhar para tudo, sempre. Sem isso, você não capta, não percebe as sutilezas, as mensagens secretas, deixa escapar os detalhes.
E a segunda escuta? Escutar é precioso, sublime, etéreo. Redescobri isso essa semana, prestando atenção no som da chuva que espancava a lataria do táxi que peguei para chegar até um centrinho comercial na Gávea. Passei meses flertando com a ideia de participar de uma sessão de Sound Healing, sem sucesso. Meus horários não coincidiam com os do professor, ou ele estava doente, ou eu estava apagando incêndios infantis e e resgatando adolescentes. Até que o grande dia chegou. Caminhei devagar até a porta do Somtuário, e quando Vitor, o alquimistra sonoro, a abriu, fui imediatamente arrebatada pela energia da experiência tão aguardada.
Após doze anos de audição biônica, alcancei uma graça que julgava impossível: a do reencanto. Em 2025 reencontrei músicas de outras épocas da vida, conheci novas canções e dei a cada uma delas o presente da segunda escuta. É aí que a mágica mora. A primeira escuta é desatenta, banal, desinteressada; mas a segunda é como o noivo emocionado que vislumbra sua amada caminhando em sua direção até o altar.
Estou vivendo uma fase bonita de redescoberta de mim mesma e total reencanto com os sons. A meditação teve papel importante nisso, e foi por causa dela que descobri a existência do Sound Healing. Os sessenta minutos que passei no escuro em total imersão sonora foram sobrenaturais. A vibração do gongo me transportou para longe e me fez pular um muro até então intransponível na meditação. Em um dado momento, senti as minhas pernas derreterem; um tempo depois, parecia que eu segurava duas pesadas bolas de energia nas mãos. As lágrimas brotavam sem motivo, como resposta às lindas ondas sonoras que passeavam através do corpo e da mente.
Uma pessoa completamente surda deitada no chão, com uma venda nos olhos e seus ouvidos biônicos a pleno vapor, ansiosos pelas vibrações dos instrumentos e as surpresas sonoras que viriam pela frente. Ri sozinha quando o colega deitado ao meu lado começou a roncar, e saí do estado zen quando outro companheiro de jornada decidiu limpar a garganta, como se tivesse esquecido onde é que estava.
O silêncio é guardião de infinitas possibilidades. Ele é ninho. Até que resolve dançar, e a vibração invisível estoura as portas de todas as células e invade a gente igual furacão. O som ilumina as palavras, ele é bússola para encontrar um novo caminho. É na aspereza do dia-a-dia que a essência contida na segunda escuta e no segundo olhar se esconde enquanto a vida se desenrola num balanço entre encanto e desencanto.
Quem escuta, se reencanta. Quem olha, se maravilha. Que delícia estar atento!
Sobre o Sound Healing:
Sound Healing (ou cura pelo som) é uma prática terapêutica que utiliza sons, vibrações e frequências para promover bem-estar físico, mental e emocional. A técnica baseia-se na ideia de que o som pode influenciar o corpo e a mente, ajudando a restaurar o equilíbrio, reduzir o estresse e estimular a cura. O sound healing geralmente envolve instrumentos como:
Tigelas tibetanas (ou sinos tibetanos), que produzem vibrações sonoras profundas.
Gongos, que criam sons intensos e ressonantes.
Diapasões, usados para frequências específicas.
Tambores, flautas ou outros instrumentos acústicos.
Voz, como cânticos, mantras ou vocalizações.
As vibrações e frequências dos sons são usadas para:
Relaxar o sistema nervoso.
Reduzir ansiedade e estresse.
Melhorar a concentração e a clareza mental.
Promover um estado meditativo.
Aliviar tensões físicas, já que as vibrações podem estimular tecidos e órgãos.
Benefícios:
Relaxamento profundo: Ajuda a diminuir a frequência das ondas cerebrais, promovendo estados de calma.
Equilíbrio energético: Muitas práticas acreditam que o som pode harmonizar centros de energia (como chakras).
Melhora do sono: Pode ajudar em casos de insônia.
Alívio de dores: Algumas pesquisas sugerem que vibrações sonoras podem reduzir dores crônicas.
Contexto cultural e científico:
Cultural: O sound healing tem raízes em tradições antigas, como as práticas tibetanas, xamânicas e indianas (com mantras e cânticos). É comum em práticas espirituais e holísticas.
Científico: Embora ainda haja debate, estudos preliminares indicam que a exposição a certas frequências sonoras pode influenciar o sistema nervoso autônomo, reduzir o cortisol (hormônio do estresse) e melhorar o bem-estar geral.
Como é praticado:
Sessões individuais ou em grupo, onde o terapeuta toca instrumentos enquanto a pessoa relaxa.
Banhos de som (sound baths), em que os participantes se deitam e "mergulham" nas vibrações.
Meditações guiadas com sons.