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Reflexão do mês: Amor em tempos de surdez
Quando recebi meu diagnóstico de deficiência auditiva bilateral severa (e progressiva) eu tinha 16 anos e estava namorando pela primeira vez. Fui ao médico sem contar nada para o garoto. No dia seguinte, uma sexta-feira, ainda em estado de choque, não fui à escola. Essa pausa me ajudou a processar o diagnóstico, mas a decisão de entrar para o armário da surdez estava tomada. Ninguém poderia saber que eu era surda, que teria que usar aparelhos auditivos e que ficaria ainda mais surda com o passar do tempo.
Meu primeiro namorado sério se chamava Leonardo. Ele usava aparelho nos dentes, sua pele branca contrastava com seu cabelo preto; ele tocava guitarra e adorava música. Naquela época (1996 ou 1997) não existia Spotify - os jovens compravam CDs nas lojas e o ápice do sucesso era ganhar um som potente de aniversário de 15 anos. Leonardo tinha mania de me convidar para ouvir música e ficava me perguntando se eu tinha gostado da letra. Ele não fazia a menor ideia de que eu entendia meia dúzia de palavras e preferia estar fazendo qualquer outra coisa. Nunca contei a ele sobre a minha surdez. Aos 16 anos, apavorada com o que o futuro me reservava, eu enxergava o amor como algo impossível. A conversa interior era repetitiva: “Quem vai querer ficar comigo desse jeito?”
Fui me fechando cada vez mais e o namoro, obviamente, degringolou. Relacionamentos não suportam meias verdades, máscaras, pessoas que se entregam pela metade e segredos. Simplesmente não dá, e pouco importa se você é adolescente ou adulto. O medo de contar àquele namorado sobre a minha surdez dizia muito sobre mim: não era a reação dele que me assustava, mas o meu total despreparo e desconhecimento sobre o assunto. Eu sequer sabia como esperava que as pessoas reagissem. É por isso que é tão fundamental processar a surdez, olhar para ela com os olhos bem abertos, acolhê-la, abraçá-la. Entendê-la. Em 99% dos casos, a surdez será sua eterna companheira, seu relacionamento mais longo e a presença mais constante da sua vida.
Em todos os meus relacionamentos seguintes a surdez foi uma sombra. Comecei a namorar um garoto no início da faculdade. Ficamos juntos durante quatro anos e ele se chamava Baltazar. Quando ele foi estudar na França, a dificuldade de comunicação pesou. Um dia, eu estava na casa dos pais dele fazendo uma visita quando o telefone tocou. Nós falávamos pouquíssimo sobre a minha deficiência auditiva porque tornei esse assunto proibido. Minha então sogra me deu o telefone porque o garoto queria falar comigo. Eu só ouvia murmúrios, palavras soltas e abafadas. Pedi licença e fui para outro cômodo, pois não queria que eles vissem que eu não era capaz de ter uma simples conversa. Comecei a chorar e disse a ele: “Me perdoa, mas eu não consigo ouvir nada do que você diz. Vou devolver o telefone para a sua mãe. Um beijo”. Os pais do Baltazar acharam que eu estava chorando de saudade quando, na verdade, eu estava chorando lágrimas de silêncio.
Mas a minha história tem final feliz. Saí do armário da surdez, me libertei do peso de tentar viver uma vida de disfarces e táticas de guerra, aceitei a realidade como ela era e entrei num relacionamento sério com os meus aparelhos auditivos. A soma de todas essas coisas me levou a fazer um implante coclear em 2013 e voltar a ouvir. Foi no fatídico dia 11/11/2013 que o Universo mexeu uns pauzinhos e cruzou o meu caminho com o do Luciano. Eu sabia que acabaríamos juntos desde a primeira mensagem que trocamos, embora estivéssemos separados por milhares de quilômetros. Ele sabia que eu era surda e abraçou toda a vulnerabilidade envolvida em reaprender a ouvir. Nossa primeira tentativa de telefonema durou quinze minutos, e assim que desliguei o telefone comecei a chorar igual a uma criança porque não precisei pedir que ele repetisse algo nenhuma vez - uma conquista com a qual eu nem ousava sonhar mais. Esse amor me atingiu com uma potência avassaladora porque chegou junto com a aceitação total e os infinitos sons que vagam pelo mundo.
A estrada que percorri até encontrar o AMOR foi curiosa. Experimentei todos os graus de surdez e zumbido. Passei 14 anos no armário da surdez após receber o dignóstico. Fugi dos aparelhos auditivos como o diabo foge da cruz e depois passei a usá-los quase 24hs. Fiz a cirurgia do ouvido biônico. E então a ‘recompensa’ chegou: fui casar logo com um otorrinolaringologista apaixonado por violão e por fazer as pessoas voltarem a ouvir. A vida dá uns loopings que parecem até coisa de filme, não?
Junho é o Mês dos Namorados. Aproveito para desejar a você um amor adulto, bonito, companheiro, que te coloque no modo ‘turbo’, te ajude a lembrar de espalhar pilhas por todos os lados e repita o que você precisar sem cara feia.
** O curso online express “A surdez e os relacionamentos amorosos” está em promoção de R$79,90 por R$39,90 até o dia 8 de junho. São 10 aulas direto ao ponto para te ajudar a repensar essa área da vida - e parar de culpar a surdez por tudo!
Dr. Luciano responde
O uso de aparelho auditivo é só para ouvir melhor, ou de alguma forma ele retarda a perda auditiva?
Essa pergunta é recorrente. Primeiro, precisamos deixar claro que a perda auditiva é um fenômeno bem mais complexo do que apenas “não ouvir”. A perda não é apenas de decibéis. Além de sons e palavras, a pessoa que convive com a surdez perde interações de vários tipos que geram informações, sensações e experiências…
Partindo desse conceito ampliado, fica fácil entender como a perda auditiva (surdez) está ligada a uma cascata de consequências psicológicas, sociais, afetivas, educacionais, profissionais e emocionais. Todas essas esferas da vida podem sofrer “perdas”.
Lembre bem: os decibéis são os de menos. O uso de aparelho auditivo não pode evitar uma piora da audição, ou a perda em decibéis na audiometria.
Entretanto, tenha certeza que ele pode evitar muitas outras perdas, às vezes bem mais definitivas ou dolorosas. Aparelhos auditivos são uma maravilhosa tecnologia capaz de lhe ajudar a ouvir mais e melhor, além de lhe fazer dar um grande salto em qualidade de vida, independência e segurança.
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PAULA INDICA…
Nova turma do Curso AccessBoost: aula GRATUITA
O Marcelo Sales é a referência das referências em acessibilidade no Brasil. No dia 7 de junho às 20h ele dará um aulão gratuito sobre ACESSIBILIDADE para celebrar a abertura das inscrições para a nova turma do curso AccessBoost. São apenas 500 vagas - corre aqui e garanta a sua - e, no final da aula, vai rolar SORTEIO de uma bolsa integral do curso. Não perde!!
Documentário: Sonata ao Luar - Surdez em três movimentos
Das ironias da vida: o inventor da tecnologia do telefone TDD é surdo, e neste documentário a vida dele se entrelaça à do neto. Ambos são usuários de implante coclear e navegam pela surdez de formas muito diferentes. Uma história bonita que me deixou arrepiada e emocionada várias vezes. Assista na HBO Max.
Livro de Junho : Água Fresca para as Flores
Devorei esse livro em três dias e sofri quando a leitura chegou ao fim. Uma daquelas coincidências da vida: ele caiu nas minhas mãos após uma visita solo que fiz ao Cemitério São João Batista. Arrebatador!
“Os dias de Violette Toussaint são marcados por confidências. Para aqueles que vão prestar homenagens aos entes queridos, a casa da zeladora do cemitério funciona também como um abrigo diante da perda, um lugar em que memórias, risadas e lágrimas se misturam a xícaras de café ou taças de vinho. Com a pequena equipe de coveiros e o padre da região, Violette forma uma família peculiar. Mas como ela chegou a esse mundo onde o trágico e o excêntrico se combinam?
Com quase cinquenta anos, a zeladora coleciona fantasmas ― uma infância conturbada, um marido desaparecido e feridas ainda mais profundas ―, mas encontra conforto entre os rituais e as flores de seu cemitério. Sua rotina é interrompida, no entanto, pela chegada de Julien Seul, um homem que insiste em deixar as cinzas da mãe no túmulo de um completo desconhecido. Logo fica claro que essa atitude estranha está ligada ao passado difícil de Violette, e esse encontro promete desenterrar sentimentos há muito esquecidos.
À medida que os laços entre os vivos e os mortos são expostos, acompanhamos a história dessa mulher que acredita de forma obstinada na felicidade, mesmo após tantas provações. Com sua comovente e poética ode ao cotidiano, Água fresca para as flores é um relato íntimo e atemporal sobre a capacidade de redenção do amor.”
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Nos vemos em julho!
beijos
Paula