Aparelho Auditivo discreto (e invisível)
Vivemos na melhor época da história para quem tem algum grau de surdez
Foi a narrativa tenebrosa sobre aparelho auditivo discreto e invisível que me ajudou a entrar para o armário da surdez aos 16 anos, quando recebi o diagnóstico de deficiência auditiva neurosensorial progressiva nos dois ouvidos. Naquela época, era raríssimo ver alguém andando por aí com fones de ouvido - e os disponíveis eram enormes e tinham fios tão compridos que se enroscavam no corpo da gente.
Ouvi de uma fonoaudióloga que o aparelho auditivo discreto me ajudaria a “esconder o meu segredinho” já que “ninguém precisava saber disso” e um aparelho quase invisível aliado a cabelos penteados por cima das orelhas me manteriam “protegida do preconceito”. Na época, assustada e sem contato nenhum com outras pessoas com perda auditiva, achei que estava recebendo a melhor orientação possível e acatei o ‘conselho’.
Se alguém me dissesse isso hoje, eu levantaria da cadeira e me retiraria do recinto Conivência zero com esse tipo de atitude. Perda auditiva não é falha de caráter e não “tem que” ser escondida de ninguém. Quem insiste nessa narrativa tem apenas um objetivo: usar a vergonha que você sente para te vender um produto que talvez nem indicado seja para a sua surdez. O que tem de gente por aí usando ‘aparelhinhos minúsculos’ que não atendem a própria perda auditiva porque caíram nesse papo medonho e porque sentem vergonha da própria surdez não está no gibi. Não seja essa pessoa. Seu cérebro, seu bolso e a sua saúde mental agradecem.
Dito isso, eu estava num voo para o Rio de Janeiro quando me deparei com o moço da foto que ilustra esse texto sentado na poltrona à minha frente. Fiquei olhando para o fone de ouvido diferentão, tecnológico e enorme que ele carregava nas orelhas e pensando que os novatos no rolê da surdez não fazem ideia da sorte que têm.
Hoje em dia, TODO MUNDO USA ALGUMA COISA NOS OUVIDOS e ninguém dá a mínima para o que está dentro do conduto auditivo alheio. Não há nada mais banal do que fones de ouvido mas, ainda assim, muita gente segue com a atitude vitimista de “ai meu Deus que horror ter que usar aparelho auditivo socorro não quero” e age como se os outros tivessem tempo ou interesse para prestar atenção e fazer julgamentos sobre um aparelho de audição.
O mantra é simples: SEU CÉREBRO NÃO PODE ESPERAR. Lembre-se de que você vai ter que lidar com as consequências das suas escolhas e que não tratar a sua surdez porque sente vergonha de si mesmo ou por ‘medo do preconceito’ não condiz com o comportamento de um adulto.
Em 2024, temos o SUS fornecendo aparelhos auditivos (das mesmas marcas das lojas), temos um fabricante nacional de aparelhos auditivos de baixo custo e temos a indústria da audição com os menores preços já praticados em muito tempo (uma mistura da ampla concorrência com o lucrativo mercado dos consertos de AASI com bloco amplificador integrado sobre os quais niguém fala, mas a gente conta tudo NESSAS AULAS).
Tradução: só fica sem aparelho auditivo quem quiser. “Ai mas o SUS demora para fornecer”: denuncia na Ouvidoria do Ministério da Saúde seguida de ação judicial resolvem.
O que a surdez quer de nós é AÇÃO. Comece se filiando ao CLUBE DOS SURDOS QUE OUVEM e conversando diretamente com milhares de pessoas que usam aparelho auditivo e implante coclear para tirar todas as suas dúvidas sobre direitos, deveres, reabilitação auditiva e os melhores profissionais de saúde auditiva desse Brasil.
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Bjs,
Paula
Perfeito!
Perfeito! Adoro as crônicas...tão eu!!!