As mães dos pinguins
Como mãe e surda, às vezes me sinto tão invisível que a pele chega a arder. E as mães ouvintes de crianças surdas, como ficam?
Levei o Lucas na Sonora para fazer sua audiometria anual. No caminho ele disse, todo metido a adolescente precoce do alto dos seus sete anos: “por que é que eu tenho que fazer essa chatice de novo?”. “Porque eu sou surda e você é meu filho, a gente precisa ficar de olho”. “Mas eu escuto tudo muito bem, mãe!”. “Eu sei, a gente faz o exame só pra ter certeza disso, tá bom?”.
Assim que a Dra. Norma Fidalgo o cumprimenta, ele volta a ser um docinho de coco. Sorri, coopera e fica ansioso para provar que escuta tudo a ela também. Fiqueo boba de ver como esse menino cresceu do ano passado para cá. Eu estava sentada ao lado de um mocinho, que cruza as pernas e fica com as mãos em posição de oração quando se concentra no que está fazendo.
Graças ao mecanismo de sobrevivência chamado dissociação, que desenvolvi na infância porque morava num hospício e não sabia (risos nervosos), quando me deparo com uma situação pessoal difícil, meu sistema nervoso congela tudo e me impede de sentir qualquer coisa. As audiometrias do Lucas me transportam para um lugar muito doloroso, e só consegui admitir isso para mim mesma dessa vez. Não sei o que aconteceu comigo esse ano, mas me afundei nas águas turvas e desconfortáveis do autoconhecimento. Por causa disso, venho treinando para observar meus sentimentos, acolhê-los (ao invés de fugir deles) e reagir da forma mais adulta possível.
Ali, ao lado dele, me permiti sentir. E o que senti doeu.