Meu marido costuma repetir uma frase que é célebre aqui em casa: “o pior sentimento de culpa vem quando a gente tem culpa mesmo”. A primeira vez que ele me disse isso foi como levar um tapa de uma mão invisível.
CATAPLOFT.
Na hora eu pensei na infinidade de perrengues e sofrimentos que teria evitado, e também com quantos sons maravilhosos eu teria presenteado meu cérebro se tivesse começado a usar aparelhos auditivos COMO SE DEVE no dia em que eu soube disso. Esclarecendo: como se deve é usar o dia inteiro, todos os dias, só tirando pra dormir e tomar banho. É disso que o seu cérebro e a sua vida prática precisam.
Mas não. Não usar era muito mais fácil. Usar em ocasiões especiais e raras era mais fácil. Me enganar era mais fácil. Fugir da responsabilidade era mais fácil. Me sentir uma coitada porque tinha recebido um diagnóstico de surdez era mais fácil. Fingir que nada estava acontecendo e que ninguém percebia os incontáveis “hãn” e a minha voz cada vez mais alterada era mais fácil do que enfiar dois pequenos pedaços de plásticos abarrotados de tecnologia de última geração dentro dos ouvidos e ouvir melhor. O armário da surdez é tão quentinho e convidativo… O ser humano é mesmo um bicho complicado, hein!
Quando a gente não faz o que precisa fazer, isso traz consequências. No caso da surdez, elas são bem ruins. Ouvir mal e não fazer nada a respeito significa bloquear o seu cérebro do acesso ao que ele precisa para se manter sadio e em constante evolução. Significa se isolar cada vez mais, e nenhum ser humano passa incólume por um longo período de isolamento auto-imposto. Para muitos de nós, não tratar a surdez acaba trazendo a pior consequência de todas: a depressão.
Eu me arrependo do meu comportamento infantil do passado, como já falei em vários textos aqui e no Crônicas da Surdez. Passei por períodos depressivos terríveis por causa da minha teimosia em achar que fingir que estava tudo bem resolveria alguma coisa. O tempo não resolve nada, encarar os problemas de frente, sim. Tudo mudou quando passei a usar aparelho auditivo COMO SE DEVE, saí do isolamento desnecessário e meu cérebro voltou a dançar de alegria por ter voltado a ter acesso ao mundo.
“Você pode ignorar a realidade, mas você não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade” (Ayn Rand)
A história de um surdo que ouve
“Meu nome é Richard, tenho 39 anos e moro em Belo Horizonte. Sou deficiente auditivo de grau moderado/severo (surdez bilateral). Desde os 30 anos faço uso de aparelhos auditivos (tardio), especialmente no escritório. Preciso me vigiar para usar mais tempo…
Com a ocorrência da pandemia, de um dia para o outro, vi-me trancafiado em casa, trabalhando de forma remota. Era o advento, para mim, pelo menos, do até então desconhecido homeoffice, consignado com a acelerarão do processo de digitalização das empresas em decorrência da COVID-19. Então, vocês devem imaginar, também de forma abrupta, suspendi o uso o aparelho auditivo.
Nas ruas, nas raras ocasiões que precisei sair de casa, como para fazer compras no supermercado, por exemplo, mal conseguia ouvir o que as pessoas diziam (gritavam) por debaixo do pano opaco das máscaras. Já não conseguia também fazer a leitura labial.
Resultado: isolamento social e excesso de trabalho que resultaram em depressão grave (ou burnout). Chorei dias a fio por 2 anos e meio e, acredite, não sabia o motivo. Sentia uma tristeza profunda. Perdi o prazer de viver, senti uma angústia sufocante.
Perdi a função no trabalho, já que não conseguia mais ter alta performance e atingir as metas corporativas. A depressão, é sim, uma doença que promove a autosabotagem.
Testei diversos tipos de medicamentos durante o período, e também procedimentos. Fui medicado com lítio, escitalopram, fluoxetina, razapina, quettios, etc., etc…. Nada funcionava. Só conseguia dormir com bolsa térmica sobre o peito, para camuflar a dor da angústia, que é dor física causada por um distúrbio mental.
Alguns médicos desistiam do tratamento, outros arregalavam os olhos: “fazia tempo que não tratava uma depressão tão severa”, me diziam. Por fim, depois do definhamento, sofrimento e de diversas tentativas de tratamento, comecei a me recuperar lentamente…. E posso dizer, até hoje, eventualmente, ainda tenho reminiscências da doença, mas com ocorrência cada vez mais espaçada.
Considero que o isolamento social provocado pela pandemia, agravado pela falta de uso do aparelho auditivo e o excesso de trabalho foram os gatilhos da síndrome depressiva. A dificuldade para conseguir ouvir e falar, até mesmo com as pessoas mais próximas, ocasionaram afastamento social, aumentando as chances da depressão. Por isso, esse é mais um motivo para não deixar de usar o seu aparelho! Embora seja uma doença tratável, deve ser levada a sério.
Aos olhos de quem já sofreu de depressão e ainda precisa aprender a conviver com sua própria existência, criei um perfil no Instagram, o Saúde Mental SA , com o desejo honesto de ajudar a amenizar parte da dor das pessoas que foram acometidas pela doença, ainda que saiba que nenhum recurso é capaz de abarcar a dimensão do sofrimento humano.
A depressão, no seu pior estágio, retrata a angústia, o definhamento, a perturbação, a ausência de prazer, sentido, energia e a solidão mais pavorosa.
Vamos conversar sobre isso? Você não está só! Visite e siga o perfil @saudementalsa !
Gratidão,
Richard
PS: aqui temos um post sobre Depressão e Surdez no site Crônicas da Surdez, escrito pela psicóloga surda que ouve Alice Lewi.
COMUNIDADE
A história do Richard dá início a um projeto que há tempos quero tocar para ajudar a nossa grande família de Surdos Que Ouvem!
Se você é membro filiado e ativo do CLUBE dos Surdos Que Ouvem e tem um projeto que ajuda outras pessoas ou algum produto-serviço bacana que gostaria de divulgar na nossa newsletter (já são quase 12.000 assinantes), me escreva!!
Toda semana, quero usar esse espaço para dar visibilidade a um membro da nossa comunidade. Juntos, somos mais fortes!
DR. Luciano Moreira em SÃO PAULO
O mês de maio é mês de cirurgias da audição em São Paulo. Dessa vez, Dr. Luciano Moreira decidiu abrir a agenda para atendimento PRESENCIAL em SP.
Não perde a chance!
O whatsapp do consultório é 21 99556 2727.
Se você é fono e trabalha com venda de aparelho auditivo, não perde esse post - especialmente se você já gastou rios de dinheiro com “agências de marketing digital”, acha bonito expor pacientes em redes sociais e participa de treinamentos de vendas focados em bater meta a todo custo que mais paracem lavagem cerebral.
As aulas para Fonoaudiólogas de Surdos Que Ouvem estão AQUI.
Boa semana a todos!
Bjs
Paula