Diário da Surdez: CAIR NA REAL
A surdez ajuda a adultecer e a tecnologia é sua melhor amiga
PS: a imagem sou eu tentando aprender inteligência artificial com quase 43 anos e me sentindo um pouco menos burra a cada dia que passa
A surdez entrou na minha vida aos 6 anos, em 1987. Quando eu era criança e adolescente, não existia internet. O SMS estava começando a aparecer, mas pouca gente tinha celular (era caríssimo na época). A vida acontecia pelo telefone. Lembro como eu me sentia mal porque sabia que todos os meus amigos telefonavam uns para os outros depois da escola para conversar. Mas, no meu caso, não existia essa possibilidade. Era ligar a TV e tentar entender alguma coisa, porque legendas também ficavam nos filmes de ficção científica. Netflix, Amazon Prime, Youtube, Spotify, nada disso existia.
Ninguém nem sabia o significado da palavra acessibilidade. Não existia atendimento por chat, email ou qualquer outra coisa que não envolvesse a voz humana. Eu sonhava com o dia em que poderia chamar um taxi sem pedir ajuda. Eu sonhava com o dia em que poderia pedir uma pizza sem pedir penico para a minha mãe. Eu sonhava com o dia em que poderia contatar meu cartão de crédito eu mesma, sem ter que obrigar minha mãe a fingir que era eu no 0800 para conseguir resolver um problema. E imaginava como seria assistir um filme no cinema com legendas e ir a uma peça de teatro e entender algum diálogo. Lembro até hoje do dia em que instalaram a NET na casa da minha vó. Liguei a TV, pus no Multishow e, pela primeira vez na vida, me deparei com um seriado americano que tinha legendas. Fiquei com o corpo todo arrepiado, me senti inteira. Agora eu podia me divertir, agora eu podia entender as histórias. Foi emocionante, e acabou se transformando num vício bom, porque foi assim que aprendi a ler lábios em inglês.
Tudo isso é coisa do século passado, de outra época. E, ainda assim, MUITA gente continua na vibe de complicar a própria vida para provar um ponto. Não há nada mais utópico - apesar dos tempos sombrios em que vivemos, onde se ofender por qualquer coisa, querer impor a sua verdade acima de tudo e obrigar os outros a se comportarem como você deseja virou o padrão - do que querer que os outros se adaptem a você. Sabe por que? Por que eles não vão. As pessoas têm mais o que fazer do que se submeter aos nossos caprichos. Se há 20 anos, quando não existia nem um centésimo da tecnologia que temos hoje na palma da mão, ninguém se adaptava às vontades e necessidades das pessoas com deficiência, como alguém pode achar que, em pleno 2024, com os milhões de apps e tecnologias que resolvem tudo a jato, os outros vão obedecer às nossas ordens ou acatar os nossos pedidos? Se você quiser bater o pé e ficar enjaulado na vibe de "os outros têm que se adaptar a mim", a única coisa que posso te dizer é que você está sendo, no mínimo, infantil.