Entrevista com Franklin Medrado
O surdo que ouve com milhões de seguidores nas redes sociais que é puro carisma, humor e energia boa
A ENERGIA do ser humano nunca mente. Na verdade, ela nos conta tudo o que precisamos saber!
Minha história com o Franklin começou no dia em que ele me marcou num comentário do vídeo no qual fez um relato emocionante sobre a própria surdez. Levei um susto quando vi que aquele gigante das redes não só tinha perda auditiva, como estava falando abertamente sobre isso e impactando milhões de vidas com a sua vulnerabilidade.
Nós começamos a trocar mensagens naquele dia. Descobri que o Franklin era paciente do Luciano (!!!) e estava na fase de testar aparelhos auditivos. Mostrei a ele as aulas para aprender a comprar aparelho auditivo com segurança. Depois de assisti-las, ele continuou fazendo ótimos relatos sobre esse processo nos stories do Instagram e ajudando ainda mais gente não só a sair do armário da surdez, mas, principalmente, a buscar reabilitação auditiva.
Falei de energia lá no início porque a energia do Franklin é surreal ao vivo. Uma leveza, uma sinceridade, uma humildade, uma abertura, tudo junto e misturado com aquele humor único com o qual ele nos brinda todo santo dia nos seus vídeos hilários. Nós fomos almoçar (junto com a Suh Medrado, sua esposa) e não vi o tempo passar. Sabe aqueles encontros que mais parecem um reencontro com amigos das antigas? Foi assim!
Desde então, tem sido um privilégio ter o presente dessa amizade. Vibro demais com suas conquistas, racho de rir com os vídeos (repito o bordão “"é um sem noção” aqui em casa toda hora para a minha gangue masculina) e fico muito feliz por saber que alguém tão poderoso nas redes, fala de forma tão simples e didática sobre perda auditiva e AASIs.
Tomei a liberdade de convidá-lo para uma pequena entrevista. Espero que gostem <3
Qual é a história da sua surdez? Quando descobriu e como você lidou com o diagnóstico?
Eu sempre soube que a surdez era algo que “espreitava silenciosamente” na minha família. Meu pai tem surdez profunda. Os irmãos dele também. O meu irmão também recebeu esse presentinho genético. Daí eu tive o primeiro indício de que talvez eu tivesse herdado algo… Mas pra mim, eu percebi que não ouvia como outras pessoas quando eu estava mixando um trabalho (eu trabalhei de maneira amadora com gravação de áudio) e o gráfico de um equalizador mostrava picos em regiões agudas que eu não ouvia, mas meus amigos sim. Então fiquei sabendo ali que sim… eu tinha a mesma condição que meu pai e meu irmão. O zumbido constante desde que eu me entendo por gente também era um sinal.
O diagnóstico de surdez foi dado de uma vez, mas a percepção disso foi ocorrendo ao longo dos anos. Na primeira vez em que fiz audiometria, ela indicava perdas nas regiões agudas, mas ainda não era necessário o uso de aparelho auditivo. Porém o tempo foi me trazendo o desconforto de não ouvir tão bem no mundo dos “ouvintes 100%” (se é que isso existe). O que você disse? Não ouvi nada! Pode repetir? Essas frases se tornaram tão frequentes que foram sinais de que a comunicação já estava sendo prejudicada.
Sofri com a constatação de que, no meu caso, a surdez vai progredindo com o tempo. Chorei. Lamentei. Sequei as lágrimas, coloquei os aparelhos no ouvido e… vida que segue.
Em que momento você decidiu que havia chegado a hora de tratar a sua perda auditiva?
Quando eu percebi que meu irmão (que possui uma perda maior) não tratava por causa de vergonha de usar aparelhos. Então eu decidi mostrar pra ele e para as pessoas que não usam, por vergonha, que antes da opinião dos outros sobre nossa aparência/estética deve vir nosso bem estar e saúde. Foi por esse motivo que eu procurei ajuda. E ao ser ajudado percebi que deveria ter feito isso antes.
Houve algum momento muito marcante na sua vida relacionado a perda auditiva?
A primeira vez que fui assistir ao musical Wicked marcou minha vida. Eu amo musicais e esse é especial pra mim, mas como ele é todo em inglês eu tinha o receio de não entender a história por causa da minha audição. No final do musical eu estava emocionado demais pois eu consegui saborear cada acorde, nada ruído, cada segundo daquele experiência. Isso jamais seria possível sem a ajuda dos aparelhos auditivos.
Como foi quando você começou a usar aparelhos auditivos? O que mudou?
Eu estava tão decidido a “fazer isso acontecer” (ouvir melhor) que minha adaptação foi bem rápida. Obviamente que o mundo onde eu ouço grilos, aspirador de pó e motor de moto em suas potências máximas é um tanto desagradável. Mas aos poucos fui me adaptando. O curioso é que eu percebi que eu não reconhecia sons que eu jurava que ouvia bem, como por exemplo som de chuva e água.
E quando você decidiu falar abertamente sobre a perda auditiva e o uso dos aparelhos na Internet, a maneira como as pessoas receberam essa informação mexeu com você?
Muito. Eu mirei no meu irmão e acertei em uma multidão. A percepção de que algumas pessoas deixam de cuidar da saúde por vergonha de usar um aparelho me fez ter mais vontade ainda de aparecer com aparelhos em espaços públicos. Recebi muitas mensagens de pessoas que passaram a cuidar da saúde auditiva por causa daquele vídeo. Eu não esperava isso.
“Eu mirei no meu irmão e acertei em uma multidão”
O que foi e tem sido fundamental na sua jornada da surdez?
Entender que eu sou surdo que ouve. Mas também preciso entender que essa é uma condição MINHA e sendo assim, é minha responsabilidade cuidar de mim. Obviamente sou cercado de pessoas que me amam e entendem a minha condição, mas eu evito transferir para outros responsabilidades que são minhas. Analiso se estou me comunicando bem, refaço periodicamente meus exames, evito ambientes com muito ruído. Enfim, procuro entender meu corpo e busco respeitar.
Por último, deixe seus melhores conselhos para quem tem perda auditiva
Primeiro, se você acha que tem problemas auditivos, procure um médico otorrino especialista em surdez.
Segundo, se você tem problemas auditivos e tem vergonha de se tratar entenda que não procurar ajuda pode te custar involuntariamente o isolamento de pessoas que você ama. Aos poucos você vai desistindo de ir “naquela festinha”, de pedir pra pessoa repetir… a minha função aqui é pra dizer que não precisa ser desse jeito.
E por fim, se você já começou sua reabilitação auditiva e está tendo dificuldades… Não está conseguindo se adaptar? Força! Todos nós passamos por essa etapa, mas acredite em mim, aos poucos fica mais suave. Continuo odiando grilo, mas pelo menos quando ele entra em casa agora eu já consigo expulsa-lo. Hahaha
Inspirador, não?
Sigam o Franklin nas redes sociais para continuar acompanhando de perto suas descobertas auditivas e o trabalho dele.
Um beijo grande,
Paula
PS: sócios do CLUBE Surdos Que Ouvem, estamos marcando nosso Google Meet de janeiro para uma sessão de escuta ativa no grupo de WhatsApp do Clube! Ao que tudo indica, será nessa sexta-feira às 21h.