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3 perguntas para Jessyborg
Foto: João Pedro Januário
Jessyca Oliveira tem 17 anos e está no segundo ano do ensino médio no Rio de Janeiro. Aos 10 anos, contraiu meningite meningocóccica. Para sobreviver, foi preciso amputar os braços e pernas - além disso, ela também perdeu toda a sua audição. A Jess vive repetindo uma frase que ressoa muito em mim: “Desista de desistir"!"
Hoje ela é uma surda que ouve através de um implante coclear e atleta paralímpica de natação. Escreveu um livro e dá palestras motivacionais. Tive o privilégio de conhecê-la na sessão de fotos do Dia Mundial da Audição de 2020 e, de lá para cá, minha admiração só cresce cada vez mais. Essa garota vale ouro e vai longe!
1. No seu depoimento do Dia Mundial da Audição, voce falou sobre como foi doloroso perder a audição. Como é pra você ter voltado a ouvir?
Voltar a ouvir através do Implante Coclear é uma sensação inexplicável. Sempre me encontrei muito no mundo dos sons e saber que tenho a oportunidade de ouvir novamente é incrível. Cada barulho que ouço é como estar ouvindo pela primeira vez! Sei que não é possível mudar o que aconteceu, mas transformei isso da melhor forma que foi possível e retomei minha qualidade de vida.
2. Quais foram as maiores lições que você aprendeu até agora como sobrevivente da meningite menincocóccica?
Foram muitas lições. Principalmente o poder da decisão e de ter um interior sendo trabalhado e fortalecido todos os dias. Também aprendi a enxergar o valor do olhar profundo e verdadeiro na comunicação com as pessoas, já que preciso da leitura labial para entender melhor. A verdade é que nós não percebemos o valor e o poder da comunicação, que vai muito além do óbvio.
3. Como é a rotina de uma atleta paralímpica? Quais são os próximos objetivos?
Tive a oportunidade de assistir aos jogos paralímpicos Rio 2016 presencialmente. Pra mim, foi um impulso de buscar o esporte e acreditar na minha capacidade. Sempre senti uma vontade imensa de praticar , mas o medo me paralisava. Depois da minha ressignificação, eu estava disposta a encarar. Quando entrei para o esporte competitivo, fiquei encantada. Não é fácil, é um processo longo e doloroso se tornar atleta de alto rendimento, mas é muito prazeroso. Me sinto viva e tenho o sonho de representar o Brasil!
REFLEXÃO DO MÊS: O capacitismo começa em casa
Ilustra: Alex Herrerias
Se você já leu os meus livros sabe que a surdez foi um grande tabu dentro da minha casa no passado. Só aprendi o significado da palavra CAPACITISMO em 2019. De lá para cá, não consegui mais parar de refletir sobre esse tema.
A maioria de nós sofre ou já sofreu algum tipo de preconceito e discriminação dentro de casa. Nossos pais, irmãos, avós, tios e cônjuges conseguem ser infinitamente mais maldosos do que os estranhos. Eles não têm filtro e nem sentem constrangimento em nos dizer certas coisas relacionadas à nossa deficiência auditiva.
Em quase todas as brigas que tive com a minha mãe ao longo dos 35 anos que passamos juntas, ouvi as seguintes frases:
“Surda idiota”
“Você não é ninguém sem mim, tenho que ser os seus ouvidos”
“Põe essa porcaria desse aparelho auditivo senão eu não vou falar”
Ouvir tudo isso me fez criar uma casca grossa. Para sobreviver, precisei desenvolver a habilidade de bloquear o que ela dizia quando tinha seus acessos de fúria. Nunca acreditei nas coisas ruins que ouvi, mas nem por isso não foi doloroso ouvi-las.
Havia também outro tipo de capacitismo na nossa relação. Ela não me deixava responder as perguntas que as pessoas me faziam. Talvez por querer me proteger e supondo que eu não havia entendido a pergunta, ela se antecipava e respondia por mim. Se alguém me chamasse de surda na sua frente, das duas, uma: ou ela descascava a pessoa ali mesmo ou então a transformava em inimiga para sempre. Para ela, a palavra “surda” era ofensiva. Eu não era surda, eu tinha só '“um probleminha de audição”. Cresci achando normal tentar suavizar a minha deficiência auditiva com palavras, e interiorizei essa bobajada toda. Não foi à toa que só saí do armário da surdez em 2010.
Eu buscava desculpas para as suas falas porque não tinha conhecimento suficiente para rebatê-las. É difícil tentar justificar para si mesmo que sua própria mãe abriu a boca e verbalizou essas frases horríveis. Ela faleceu em 2016 e não tivemos a chance de conversar sobre capacitismo. Talvez por isso eu insista em falar sobre esse assunto com os meus leitores.
É importante ter coragem de se posicionar com as pessoas que amamos. Não somos menos do que elas apenas porque ouvimos mal. Elas não têm o direito de nos ofender baseando-se na nossa deficiência - não importa se isso foi feito ‘sem querer’ ou com ‘a melhor das intenções’. Tudo o que dói precisa ser comunicado, conversado e resolvido, por mais desafiador que seja. Quem não tem uma perda auditiva não sabe o que é ouvir mal, portanto, não pode achar que dita as regras de como nos sentimos ou como ‘devemos’ nos comportar.
Admitir o que acontece dentro da nossa casa também é um grande tabu. Os maiores professores de preconceito e discriminação estão, na maioria dos casos, bem ao nosso lado. Não é à toa que acabamos projetando nos outros o que vivenciamos com as pessoas mais próximas. Se minha mãe me dizia essas coisas, o que eu poderia esperar do resto do mundo? Foram anos até controlar essas projeções e aprender a lidar com a realidade. O maior preconceito de todos morava dentro de mim e me foi ensinado sob uma capa de super proteção que aprendi a enxergar como amor. Interiorizei tudo o que ouvi desde criança como verdade e baseei minha jornada com a surdez nisso. Hoje, com 40 anos, sinto um alívio enorme por ter conseguido desconstruir esse castelo de cartas que não me pertencia. Ao mudar de perspectiva e parar de enxergar a surdez como uma cruz, saí do armário e minha vida inteira mudou. Em 2022, só uma pessoa muito corajosa teria coragem de me dizer qualquer coisa depreciativa sobre o fato de eu ser surda - e, se ela disser, precisa estar preparada para o que vai ouvir.
Lembre-se: as pessoas reagem ao nosso comportamento. Elas nos testam o tempo todo. Ao menor sinal que você der de dor e medo frente a um comentário maldoso ou nonsense, isso será usado contra você. Portanto, fortaleça sua mente e seu espírito o mais rápido possível e tome as rédeas da sua vida. A surdez não é uma deficiência de caráter.
Há uma boa chance de você ser silenciado e menosprezado quando tentar explicar aos seus familiares sobre capacitismo. Afinal, a dor que não dói no outro é “mimimi”. Mesmo assim, vale a pena abrir esse canal de conversa. Você pode começar de um jeito bem suave, enviando um link de uma matéria sobre o tema, por exemplo. Ou até mesmo um vídeo de uma pessoa com deficiência abrindo o coração sobre capacitismo.
Amadurecer tem a ver com enfrentar as conversas difíceis e as dores antigas. As pessoas que amamos merecem a chance de se redimir dos seus comportamentos equivocados. Elas também aprenderam errado e repetem o que aprenderam sem pensar, no piloto automático. A visibilidade das pessoas com deficiência é muito recente, e há um longo caminho a ser percorrido até que possamos ver uma mudança cultural verdadeira nesse sentido.
Promova a mudança que você quer ver no mundo dentro da sua casa. “A atenção é a mais rara e pura forma de generosidade” (Simone Weil) - escute o que está por trás dos comentários depreciativos feitos pelas pessoas que você ama e ajude-as a quebrar esse padrão tóxico. Tenha as conversas revolucionárias que você precisa ter. Comece hoje!
Não deixe de ler o post “Relatos de Capacitismo na família”. Você certamente vai se identificar com alguns relatos. No Instagram, há o destaque “Relatos dos leitores” recheado de histórias enviadas por vocês.
“COMO POSSO MELHORAR O ZUMBIDO?”
Pergunta tão curta e ao mesmo tempo tão complexa. Quando a Paula me mandou, a primeira coisa que pensei foi nas pessoas que me abordam pelos corredores de hospitais e me perguntam: “Doutor, rapidinho… Me diz o que é bom pra tosse? Tô com uma tosse que não me larga…”
O problema é que as duas perguntas são ruins. Não existe um remédio único ou certeiro para uma queixa que tem muitas causas possíveis. No caso do zumbido, os estudos mostram que de 85-90% das vezes ele está relacionado a uma perda auditiva.
Dito isso, o melhor conselho é: investigue se você tem uma perda auditiva. E se tiver, trate-a do jeito mais indicado para o seu caso. Dessa forma, a chance do zumbido melhorar é enorme.
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PRIMEIRO DE ABRIL: DIA DA MENTIRA
Quem está cansado de ouvir besteiras sobre a própria surdez por aí, levanta a mão! Para marcar o 1 de abril, fiz um Reels com pegada de humor. Ele mostra algumas mentiras clássicas que todos nós já ouvimos por aí sobre pessoas surdas, aparelhos auditivos, implante coclear, língua de sinais…
FALSOS APARELHOS AUDITIVOS
Ao digitar “aparelho auditivo” no Google, você vai se deparar com uma infinidade de aparelhos auditivos falsos sendo vendidos no Google Shopping. Muita gente cai nesse golpe. Como a indústria da audição não muda o seu modelo de negócios, o Brasil virou um oceano azul de oportunidade para os golpistas.
UM FILME
Já que falamos bastante sobre capacitismo, se você ainda não assistiu a esse documentário na Netflix, corre lá pra ver: Crip Camp.
UM LIVRO
Desperte o seu gigante interior é um chacoalhão bem dado e necessário. Reli durante um voo de 12 horas e agora volto a ele todos os dias para fazer mais anotações. PS: se você gosta de falar mal de autoajuda, passe batido pela dica.
UM INSTAGRAM
Um perfil cheio de fotos de lugares abandonados pelo mundo é o meu novo vício. Sabendo procurar, há muita arte e beleza nessa rede social - e ela pode ser usada para nutrir sua criatividade ao invés de sugar a sua energia.
LINKS INTERESSANTES
Curadoria de links que chamaram a minha atenção. Se ler em inglês for um problema, basta apelar ao Google Translator: copie e cole os textos lá que ele faz a tradução.
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