Ouvir é maravilhoso
Recordar é viver: como eu me sentia alguns meses após fazer implante coclear
Em novembro de 2013, ativei o primeiro implante coclear e voltei a ouvir após uma vida de surdez progressiva, muito zumbido no ouvido e silêncio. Ao longo de dois anos, escrevi bastante sobre os sentimentos e descobertas da deliciosa experiência de reencontro com os sons. Foi mágico e emocionalmente desgastante, ao mesmo tempo. Era o início do meu namoro com o Luciano junto com a sensação de me sentir adulta pela primeira vez, apesar de já ter 32 anos. Antes do implante coclear, eu me sentia permanentemente infantilizada por causa da surdez.
Hoje, compartilho com vocês um texto daquela época. Enquanto editava posts no site Crônicas da Surdez hoje cedo, me deparei com vários escritos dos tempos em que eu estava transbordando novas emoções todos os dias por causa dos reencontros sonoros diários.
Enquanto escrevo, estou praticando um novo treinamento auditivo: agora passo várias horas de manhã ouvindo playlists dos anos 80. Eu era criança, a audição natural ainda existia e a perda auditiva estava recém começando nos anos 80. Tenho infinitas músicas perdidas na memória, e o exercício de reencontrá-las e ouvi-las novamente é indescritível. Fiquei toda arrepiada escutando “Oh, l’amour” do Erasure e tantas outras que me acompanharam na primeira infância no toca-discos…
“Levo cada susto ouvindo! Ontem, ao voltar do Rio de Janeiro, fui ao banheiro no aeroporto de Porto Alegre. Estava bem desavisada e morta de sono quando, de repente, o alto falante diz: “Atenção senhora Paula, dirija-se ao guichê da TAM“. Na hora foi como se tivessem me dado um cutucão bem forte, e então prestei bem atenção na chamada de novo e aí me liguei que não era meu sobrenome e eu nem tinha voado TAM.
No vôo, um bebezinho chorava copiosamente – som irritante, irritante, irritante. Mas não me passou pela cabeça nem por um segundo tirar o Implante Coclear e voltar para o silêncio por causa disso. Tenho feito um bom esforço para tolerar esses sons chatos do dia-a-dia de alguém que ouve normalmente. Não é tão difícil quanto parecia no começo.
Ainda prefiro estar em ambientes calmos, quietos e tranquilos, sem barulheira nonsense, sem muita gente falando ao mesmo tempo, sem berros e gritos. Pena que a vida real não me presenteie com isso tanto quanto eu gostaria.
A tranquilidade de viajar e voar ouvindo não tem preço. Entendo 90% do que pilotos e comissárias de bordo dizem no avião, e quando penso nisso recordo a angústia inominável que eu sentia quando não entendia uma palavra do que eles diziam e quando minha companhia num vôo era o tremor da turbina. Foi engraçado estar sentada no Galeão, com uma barulheira matadora ao redor, e atender o celular e conseguir falar e entender o que o Luciano dizia.
Nesses momentos percebo a estranheza que é voltar a poder fazer coisas tão corriqueiras que durante muiiitos anos sequer fizeram parte da minha vida – e sequer achei que um celular um dia teria essa serventia para mim de novo. Mesmo após cinco meses de IC ativado, ainda estou no – longo – caminho de voltar a me sentir normal e voltar a me sentir capaz de fazer certas coisas. Sigo dizendo que a parte mais difícil do implante coclear é a bagunça completa que ele faz com o nosso emocional. Tsunami define.
É assim que me sinto: posso me apaixonar pelo som das palavras. Ouvir me faz sentir um prazer muito grande que gostaria de ser capaz de expressar com as palavras corretas. Mas é muito difícil. Toda vez que ouço e entendo algo de costas, sem olhar para a pessoa, sem olhar para a TV, me sinto TÃO viva. Impossível não se apaixonar pela pronúncia das palavras em inglês, francês, espanhol. Cada mísera palavra tem uma boniteza sem precedentes. E isso supera e enterra todos os sons chatos do mundo.”
Bjs
Paula